quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ENTRE A CIÊNCIA E A SAPIÊNCIA - Rubem Alves

Ler pode ser uma fonte de alegria. “Pode ser”. Nem sempre é. Livros são iguais a comida. Há os pratos refinados, como o cailles au sarcophage, especialidade de Babette, que começam por dar prazer ao corpo e terminam por dar alegria à alma. E há as gororobas, malcozidas, empelotadas, salgadas, engorduradas, que além de produzir vômito e diarréias no corpo produzem perturbações semelhantes na alma. Assim também são os livros.

Ler é uma virtude gastronômica: requer uma educação da sensibilidade, uma arte de discriminar os gostos. O chef prova os pratos que prepara antes de servi-los. O leitura cuidadoso, de forma semelhante, “prova” um pequeno canapé do livro, antes de se entregar à leitura.

Um escritor não escreve para comunicar saberes. Escreve para comunicar sabores. O escritor escreve para que o leitor tenha o prazer da leitura. (...) Quando sou forçado a interromper a leitura, fico triste. Essa é a prova do prazer que o texto me causa.

Ler pode ser uma fonte de alegria. Por isso mesmo tenho dó das crianças e dos adolescentes que, depois de muito sofrer nas aulas de gramática, análise sintática e escolas literárias, saem das escolas sem ter sido iniciados nos polimórficos gozos da leitura. É como se lhes faltassem órgãos de prazer. São castrados. Não podem penetrar no corpo de prazer que é o livro nem sentir o prazer de ser penetrados por ele. Sabem ler, mas são analfabetos. Porque, como dizia Mário Quintana, analfabeto é precisamente aquele que, sabendo ler, não lê.
(trechos das págs. 49-53)

Há concertos de música. Por que não concertos de leitura? Imagino uma situação impensável: o adolescente se prepara para sair com a namorada, e a mãe lhe pergunta: “Aonde é que você vai?” E ele responde: “Vou a um concerto de leitura. Hoje, no teatro, vai ser lido o conto ‘A terceira margem do rio’, de Guimarães Rosa. Por que é que você não vai também com o pai?” Aí, pai e mãe, envergonhados, desligam o “Jornal Nacional” e vão se aprontar...
(pág. 65)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

FOLHAS DE RELVA - Walt Whitman

Quando examino a fama conquistada pelos heróis

e pelas vitórias dos generais poderosos,

não invejo os generais,

Nem o presidente em sua presidência,

nem o rico em sua casa grande,

Mas quando tive notícias da união dos amantes,

quando soube o que ocorre com eles,

De que modo eles, pela vida, através dos perigos e do rancor,

não mudaram, por longo tempo,

Pela juventude, pela meia idade e pela idade avançada,

quão resolutos, quão afetuosos e fiéis foram eles,

Então fico pensativo – saio apressadamente,

cheio da mais amarga inveja.


(págs. 143-4, Martin Claret)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

AMOR É PROSA SEXO É POESIA (parte 1) - Arnaldo Jabor

Por que a bunda é nosso símbolo? Para os anglo-saxões são os seios, leiteiros, alimentícios. O bumbum para nós, ibéricos, é menos inquietante que a vagina; essa nos lembra fecundidade, essa nos coloca diante da responsabilidade da criação da vida, e até dos perigos da devoração pela fêmea dentada e potente. A vagina é um pênis embutido; a vagina é o “outro” e merece respeito. Já o bumbum, por infecundo, a reboque do corpo, tem uma imagem mais propícia para sacanagens sem perigo, além de ser uma herança do homossexualismo deslocado dos senhores portugueses diante das negras zulus nas senzalas.


Muitas mulheres de bonitas bundas chegam a ter ciúmes de si mesmas e têm uma atitude envergonhada de suas formas calipígias*. A mulher de bunda bonita caminha como se fossem duas: ela e sua bunda. Uma fala e ninguém ouve; a outra cala e todos olham. A mulher de bunda bonita não tem sossego; está sempre autoconsciente do tesouro que reboca. A mulher de bunda bonita mesmo de frente está sempre de costas. A mulher de bunda bonita vive angustiada: quem é amada? Ela ou sua bunda? Algumas bundas até parecem ter pena de suas donas e quase dizem: “Olhem para ela também, ouçam suas opiniões, sentimentos... Ela também é legal...”


A bunda hoje no Brasil é um ativo. Centenas, milhares de moças bonitas usam-na como um emprego informal, um instrumento de ascensão social. A globalização da economia está nos deixando sem calças. Sobrou-nos a bunda... nosso único capital.


(págs. 32-33)


* calipígia: que possui nádegas bem proporcionadas e bonitas

sábado, 2 de agosto de 2008

APRENDENDO A VIVER - Sêneca

Se um deus nos conceder um amanhã, aceitemos com alegria. É verdadeiramente feliz e dono de si o que espera o amanhã sem preocupação; aquele que diz “vivi” recebe mais um dia como lucro.
(pág. 22, Ed. L&PM Pocket, 2008)


Ninguém se preocupa em viver bem, mas em viver muito; porém, todos podem agir de modo a viver bem mesmo que não saiba por quanto tempo.
(pág. 28)


Sócrates disse: “Por que te admiras de que em nada as viagens te beneficiem quando te levas contigo? Vai atrás de ti a mesma causa que te faz fugir.” A quem pode ajudar a novidade das terras? A quem o conhecimento das cidades ou dos lugares? Toda essa agitação é em vão. Perguntas por que essa fuga não te ajuda; ora, tu foges de ti mesmo. É o peso da alma que deves deixar: antes disso, nenhum lugar te agradará.
(pág. 29)


O valor da vida não está na sua duração, mas no uso que dela pode ser feito; que pode acontecer, como acontece com freqüência, que quem viveu muito, muitas vezes, viveu pouco.
(pág. 46)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

SOL E TERRA, SINFONIA DO DESBRAVADOR - Daisaku Ikeda e Ryoichi Kodama

Minha saúde era fraca desde criança e provavelmente não viveria até os 30 anos. Tive a sorte de me encontrar com Jossei Toda, que se tornou meu venerado mestre. Tudo o que sou hoje devo aos dez anos de convívio sob as orientações dele. Ele me disse: "Lute e viva até os 80 anos." Após realizar todos os seus objetivos, ele faleceu aos 58 anos. Nas minhas condições de saúde do passado não poderia imaginar que viajaria ao redor do mundo.

Felizmente, tive a companhia e o apoio da minha esposa nas horas mais críticas. Antes do casamento, nós conversamos francamente. Eu disse: "Talvez eu morra mais cedo..." E ela respondeu: "Está bem..." E eu disse: "Talvez viva como um mendigo..." Ela disse novamente: "Está bem..." Eu lhe disse ainda: "Talvez eu pare na prisão..." Ela respondeu: "Não importa. Eu já estou decidida e seguirei para onde você for." Ela me surpreendeu muito.
(págs. 95-97)