sábado, 14 de março de 2009

A FELICIDADE, DESESPERADAMENTE - André Comte-Sponville

Se não somos felizes, nem sempre é porque tudo vai mal. Também acontece, e com maior frequência, não sermos felizes quando tudo vai mais ou menos bem, pelos menos para nós. Penso em todos os momentos em que nos dizemos "tenho tudo para ser feliz". Só que não basta ter tudo para ser feliz... para sê-lo de fato.

O que nos falta para sermos felizes, quando temos tudo para sermos e não somos? O que nos falta é a sabedoria, em outras palavras, saber viver, no sentido em que Montaigne dizia que "não há ciência tão árdua quanto a de saber viver bem e naturalmente essa vida". Essa ciência é antes uma arte ou um aprendizado: trata-se de aprender a viver.

Aprender a viver? Seja. Mas então não podemos evitar o verso de Aragon: "Quando aprendemos a viver, já é tarde demais..."

É isso: filosofar serve para aprender a viver, se possível antes que seja tarde demais, antes que seja absolutamente tarde demais. Nunca é "nem cedo nem tarde demais para filosofar", já que nunca é nem cedo nem tarde demais para "assegurar a saúde da alma", em outras palavras, para aprender a viver ou para ser feliz.

No fundo, o que é ser feliz? Ser feliz é ter o que se deseja. Não necessariamente tudo o que se deseja, porque nesse caso é fácil compreender que nunca seremos felizes e que a felicidade, como dizia Kant, seria um ideal não da razão mas da imaginação.

Ser feliz não é ter tudo o que se deseja, mas pelo menos uma boa parte, talvez a maior parte, do que se deseja. Seja. Mas, se o desejo é falta, só desejamos, por definição, o que não temos. Ora, se só desejamos o que não temos, nunca temos o que desejamos, logo nunca somos felizes. Não que o desejo nunca seja satisfeito, a vida não é tão difícil assim. Mas é que, assim que um desejo é satisfeito, já não há falta, logo já não há desejo.

Assim que o desejo é satisfeito, ele se abole como desejo: "O prazer", escreverá Sartre, "é a morte e o fracasso do desejo". E, longe de ter o que desejamos, temos então o que desejávamos e já não desejamos. Como ser feliz não é ter o que desejávamos mas ter o que desejamos, isso nunca pode acontecer (já que, mais uma vez, só desejamos o que não temos). De modo que ora desejamos o que não temos, e sofremos com essa falta, ora temos o que, portanto, já não desejamos - e nos entendiamos, como escreverá Schopenhauer, ou nos apressamos a desejar outra coisa.

Lucrécio, bem antes de Schopenhauer, dissera o essencial: "Giramos sempre no mesmo círculo sem poder sair... Enquanto o objeto de nossos desejos permanece distante, ele nos parece superior a todo o resto; se ele é nosso, passamos a desejar outra coisa, e a mesma sede da vida nos mantém em permanente tensão..."

A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio, só que instável (somos mais ou menos felizes), uma vitória, só que frágil, sempre a ser defendida, sempre a ser continuada ou recomeçada.

(adaptado das págs. 19-29 e 88.)

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